27 novembro, 2016

REVISTA DIVULGA ESCRITOR Nº 23 - ENTREVISTA COM O AUTOR E ANTOLOGISTA ISIDRO SOUSA

Isidro Sousa fotografado por Dado Goes em 04-10-2016

ENTREVISTA COM ISIDRO SOUSA
O ANTOLOGISTA DA LUSOFONIA

Publicada na Divulga Escritor
Edição Nº 23  Páginas 6-14
Especial Portugal 2016


Por João Paulo de Oliveira


Isidro Sousa nasceu em 1973, numa aldeia remota das Terras do Demo, concelho de Moimenta da Beira, em Portugal, e reside em Lisboa. Jornalista e editor de publicações periódicas desde 1996, fundou, dirigiu e editou revistas, jornais e guias turísticos, publicou a primeira antologia em Fevereiro de 2001, colaborou com diversas editoras, participou em duas dezenas de obras colectivas, foi distinguido num concurso literário e é o responsável pelos projectos da Sui Generis, que criou em Dezembro de 2015. Tem 14 antologias organizadas (algumas editadas, outras a decorrer) e dois livros de sua autoria: «Amargo Amargar» e «O Pranto do Cisne».



O que o levou a lançar a editora Sui Generis?

Antes de mais, devo esclarecer: a Sui Generis não é uma editora enquanto empresa constituída. É uma marca registada que dá nome aos nossos livros e um serviço de apoio à edição, sendo mais correcta a designação Edições Sui Generis (edições remete para serviços e editora para empresa). Começou por ser o nome de uma colecção de antologias; evoluiu para obras individuais. Os livros Sui Generis são editados pela EuEdito. A parceria estabelecida com esta editora permite, em todos os aspectos, publicar as nossas obras. Em Agosto de 2015, recomeçando a organizar antologias, bati à porta errada; cometi o erro de buscar o apoio de uma editora pouco ortodoxa, cujo único objectivo era apoderar-se dos meus projectos. Estando «A Bíblia dos Pecadores» já prestes a ser impressa, negaram-me o contrato de edição. Não permiti ser ludibriado. Decidi relançar-me como editor. Criei, então, a Sui Generis cujos projectos associei à EuEdito, uma empresa transparente que merece toda a credibilidade. Esta parceria satisfaz-me, é para manter.


Um ano depois, que balanço faz da sua nova actividade editorial?

Muito positivo! A luta para singrar tem sido árdua. Abdiquei de certos privilégios que me proporcionavam mais conforto, como por exemplo do emprego cujo vencimento pagava contas ao fim do mês. Mergulhei de corpo e alma na literatura, buscando a realização de sonhos. Sonhos antigos. Sonhos literários. Meus e não só. De outros autores também. Ao longo do último ano, organizei 12 antologias literárias; algumas já editadas, outras ainda decorrem. E comecei a preparar, nos últimos meses, o lançamento das primeiras obras individuais: o meu «Amargo Amargar» e os livros de Rosa Marques e Suzete Fraga. A autora Guadalupe Navarro, residente no Brasil, também confiou a sua obra nas minhas mãos. «O Pranto do Cisne», meu segundo livro, foi lançado na Amazon, com o selo Sui Generis, em ebook Kindle; a versão impressa fica para mais tarde. Dou Graças a Deus por todas estes êxitos e conquistas. A Sui Generis está no bom caminho.


Que temas abordam os seus livros e em que diferem? O que os distingue?

Ambos incluem contos nas suas páginas. Estórias longas e complexas; quase pequenas novelas. «Amargo Amargar» é dedicado ao universo feminino; debruça-se sobre as vidas de seis mulheres. Seis contos, seis mulheres. Mulheres que amam, mulheres que sofrem, mulheres que amargam amargamente o cálice do sofrimento. «O Pranto do Cisne», por sua vez, reúne cinco textos homoeróticos. Existe um fio condutor entre eles e são protagonizados, todos sem excepção, pelo mesmo personagem. Os dois livros apresentam temas actuais e fracturantes; abordagens profundas bastante polémicas. Pontos fortes na minha escrita: sensualidade, romantismo e dramaticidade. Cada estória de «Amargo Amargar» mostra isso, embora a sensualidade esteja mais latente. Os próprios títulos, tal como as capas, sugerem dramas. Reflectem os conteúdos dos livros. O segundo, além do drama de o protagonista ver o pai assassinado pela própria mãe que o abandonara em criança, tem um teor erótico deveras acentuado. Não se recomenda a almas sensíveis. 


Mas quais são os temas abordados nas obras?

Quatro estórias de «Amargo Amargar» são contemporâneas; duas ambientam-se no início do século XX, entre o Regicídio e a Implantação da República em Portugal. Estas abordam o valor da fidelidade e as consequências do adultério em famílias aristocratas; numa delas, distinguida num concurso literário, há uma mãe sem escrúpulos que disputa o amor do genro com a filha. Doação de olhos (córnea) para devolver a visão à pessoa amada, a camponesa alvo do preconceito de famílias poderosas, gravidez na adolescência, amor com membros do clero, aborto em meios assaz religiosos e poliamor são temas vincados nas outras narrativas, ambientadas em idílicos cenários campestres. «O Pranto do Cisne» apresenta outras abordagens: homossexualidade no futebol, considerado o desporto-rei, todavia viril, para machões, relações abertas, a futilidade das celebridades, incesto e muitas aventuras libidinosas, mescladas com a tragédia familiar que envolve a morte de um pai cujo filho, uma alma sensível e apaixonante, se refugia em amores de ocasião para atenuar a dor que lhe corrói o coração e tudo fará para se vingar da mãe assassina.


Que autores lê regularmente?

Tenho o culto da leitura, de todos os géneros, estilos e temas, mas não existe um padrão definido. Tanto leio Eça de Queiroz, Humberto Eco, Camilo Castelo Branco ou Óscar Wilde como pego num livro de Jorge Amado ou Dan Brown. Os últimos que li: Robert Graves e Guillaume Musso. Varia muito. Aprecio particularmente temas históricos. Na adolescência, devorava os policiais de Agatha Christe, Erle Stanley Gardner e Arthur Conan Doyle, que releio às vezes. Tendo a reler livros de que gostei. De Nikos Kazantzakis ou Mary Renault, por exemplo. De Genet e García Lorca também. E do saudoso Guilherme de Melo, em cuja escrita me revejo. Mas não são os autores que me fascinam. Aprecio, acima de tudo, bons textos. Pegando no livro de um autor menos conhecido, leio a síntese e as primeiras páginas. Se cativar, prossigo a leitura. Só depois procuro saber quem é o autor e que outras obras escreveu. Não aprecio José Saramago e Lobo Antunes, embora reconheça que são bons. Privilegio leituras menos complexas, ou menos densas.


Quanto tempo dedica à leitura e à escrita?

Bem menos do que gostaria. Desde que organizo antologias, mal posso respirar, o tempo é escasso. Em Agosto, passando um fim-de-semana no seio da Natureza, na zona de Sintra, li novamente um livro até ao fim. Aliás, nesses dias, li dois ou três. De regresso a Lisboa, o trabalho não me permitiu concluir a leitura do último. O mesmo sucede com a escrita. Presentemente, escrevo textos curtos: prefácios, crónicas e contos. Não há tempo para mais. Noutros tempos, dedicava imensas horas à leitura e à escrita. Até no metro ou em autocarros apinhados de gente barulhenta conseguia centrar-me na leitura. Se leio um bom livro, não sei parar – esqueço, inclusive, de alimentar-me. É um fascínio que prende. Só respiro após virar a última página. Na escrita, idem. Envolvo-me no enredo como se estivesse num filme. Imensas horas mergulhado naquela trama, escrevendo, desenvolvendo, revendo. Só faço pausas quando o cansaço me vence. Sou assim: entrego-me de corpo e alma. Não há uma média de tempo, desconheço qualquer disciplina relacionada.


Concorda que o escritor deve ser testemunha do seu tempo?

O acto de escrever acarreta responsabilidades. Escrevi o meu primeiro romance em 1999, ambientado na revolução de costumes que ocorreu em Portugal no final dos anos 90. Permanece inédito e contém fortes referências aos eventos dessa época. Alguém sugeriu: porque não adaptá-lo à realidade actual? Rejeito totalmente. Além de retratar contextos de tempos passados, perderia a essência. Os tempos correm, as sociedades evoluem. Há tradições que se mantêm, outras não. Se hoje temos um mundo melhor, talvez mais facilitado, houve um percurso, muita luta, evolução. Existe História! Existe identidade! É como no hospital: que será do paciente que surge na consulta de urgência sem ter historial clínico? Os médicos vão redobrar esforços até que vislumbrem a razão do mal presente.


Porque não publicou ainda esse romance? Alguma razão especial?

O título é «Juno e Java» e é a obra mais antiga que levei a cabo; sonhei publicá-la desde sempre. Quando senti chegado o momento de editar um livro, tencionava fazer a estreia com esse romance. Anunciei, inclusive, no início deste ano, a sua publicação numa entrevista. Razões financeiras fizeram-me optar por uma obra mais pequena. O romance ultrapassa 300 páginas. «Amargo Amargar» tem um terço dessas páginas. «O Pranto do Cisne» também. É mais acessível começar a lançar livros pequenos do que obras volumosas. Não obstante, chegará a vez do romance. Em 2017, se Deus quiser.


Na sua perspectiva, para que serve a literatura?

Há quem defenda que é uma arma. Não discordo. Pode-se denunciar através dela e eu fi-lo recentemente num conto para «Os Vigaristas»; essa antologia foi a melhor resposta para enfrentar a perseguição desenfreada por parte do grupo editorial que pretendia prejudicar-me. Bastou divulgar o regulamento para recuperar a paz. A antologia será brevemente publicada com estórias interessantes: casa-se a realidade com a ficção e diz-se o que houver a dizer ficcionando a verdade. Mas a literatura é muito mais: acima de tudo, é uma fonte de aprendizagem! Ela cria referências, cria identidade, cria cultura! Veja-se «Os Lusíadas», por exemplo. Além do deleite que uma boa leitura proporciona, ensina muito. Vejam também «Os Maias» e «Viagens na Minha Terra», leituras obrigatórias na escola. E outros clássicos do mesmo nível. Quem deseja escrever bem, aprende muito com esses livros. A nível pessoal, a literatura é uma paixão; não me preocupa para que serve, desde que me preencha a alma e me realize. Preocupa-me escrever... escrever bem!


Escreve por impulso ou sofre para escrever?

Sou capaz de iniciar um texto por impulso, pegando na ideia disparatada que surge no momento. Porém, a ideia ganha forma, transforma-se num enredo que vai ficando mais complexo à medida surgem novas situações, conflitos ou personagens. Chego ao ponto em que já não sou eu que escrevo; é o próprio enredo que me conduz, desenvolvendo-se espontaneamente, assumindo proporções muitas vezes inesperadas; mas é preciso seguir aquela linha até ao desfecho e nenhuma ponta pode ficar solta. E sim... sofro muito. Quer na concepção da obra ou nas revisões, quer nos eventos mais marcantes ou emocionantes que nela ocorrem. Se o personagem chora, eu choro; se ri, eu rio; se grita, eu grito. Há um episódio, no meu romance, sobre a morte de uma criança, em que o pai, desesperado, tenta reanimá-la. Escrevi-o durante uma noite inteira; passei essa noite lavado em lágrimas – não conseguia conter-me. Era como se fosse real e eu próprio vivesse aquele acidente horrendo. Na minha mente, o filme era real e o protagonista era eu.


Por falar em revisões, emenda muito?

Só me satisfaço quando vejo todos os pontos nos iis. Gasto horas a analisar uma frase, um parágrafo. Gasto semanas ou meses num capítulo. Só largo o texto se tiver certeza de que a vírgula fica bem colocada, ou deve desaparecer. A vírgula pode influir no sentido da frase. Odeio gralhas e outros lixos visuais. Não suporto erros ortográficos. Detesto pontas soltas; as ideias têm de bem ficar arrumadas e os factos bem explicados. E as repetições? Palavras repetidas, expressões repetidas, ideias repetidas... Afligem-me! Dedico mais tempo à revisão do que a escrever. Rever não se limita a corrigir erros; vai muito além disso. Criar a estória é fácil; difícil é estruturá-la, compô-la, revê-la. Só sossego quando tenho certeza de que nada mais se emenda. Ainda assim, é bom que outros olhos leiam o texto; pode escapar algo, de tão saturada que a mente já está. Isso sucedeu no meu prefácio para «A Bíblia dos Pecadores»: publiquei «fraticida» em vez de fratricida.


Tem o livro na sua cabeça ou ele vai surgindo a partir de uma ideia inicial?

O livro no seu todo nunca está na mente. No início, há a ideia... um esqueleto ou uma nuvem ainda indefinida. A trama começa em Roma, passa pelas Arábias e termina no Japão. Esboço essa linha condutora e defino conflitos que devem ocorrer, mas ignoro como se fará o percurso. É sempre uma surpresa. Como se viajasse mesmo! Sim, desenho sempre a espinha dorsal da narrativa. Mas nunca sei como se desenvolverá o enredo. Só no acto da escrita, seguindo a linha de raciocínio, é que ele vai surgindo, desenvolvendo, ganhando vida própria. Como sucedeu em «Juno e Java», cuja estória havia planeado para um conto de dez páginas (no máximo), com quatro personagens e uma criança. À medida que o escrevia, perdi o controlo. Resultou numa obra com mais de 50 capítulos e cerca de 30 personagens. Não consegui o conto para aquele objectivo, ficou o romance.


Quanto tempo medeia entre a escrita de um livro e a sua edição? Publica com frequência ou prefere deixar a obra amadurecer?

Não é fácil responder de modo fidedigno porque a edição dos meus livros é recente, embora publique textos, literários e jornalísticos, há 20 anos. Tenho dois livros editados, por enquanto. E imensos textos escritos há anos no arquivo. Relidos inúmeras vezes. Escrevi as estórias que compõem «O Pranto do Cisne» entre 2001 e 2008. Os contos de «Amargo Amargar» surgiram nos meses iniciais de 2015. Os livros saíram agora. Tendo em conta outras experiências, detesto escrever e publicar logo. Não gostei de fazer isso com o prefácio para «Lágrimas no Rio», de Manuel Amaro Mendonça, apesar de ter sido elogiado. Sim, prefiro amadurecer. Sempre que possível! Prefiro manter o texto intocável durante algum tempo e tornar a pegar nele com outros olhos, a mente distanciada. Capto melhor coisas insignificantes, pormenores que não interessam, eventuais incorrecções ou ideias mal explicadas. Se porventura nada mudar, o texto está bom. Aí, posso publicá-lo.


Como vê o panorama da literatura portuguesa actual?

Há boa literatura, livros menos bons e coisas em livro que não passam de lixo. Bons livros perduram, o lixo esfuma-se. Escrever para publicar é diferente de escrever no caderninho. E existem editoras menos transparentes que são, na realidade, gráficas disfarçadas de editoras cujo único objectivo é imprimir. Quanto mais imprimirem, mais facturam! Publicam tudo o que lhes cai na rede e nem tudo o que vem à rede é peixe. Sei que é verdade! Enquanto agente literário, vi coisas que repudio. Chegam ao cúmulo de publicar textos repletos de erros ortográficos, sem sequer os submeterem a algo tão básico como o corrector do Word; o livro pode ter a capa apelativa, mas os erros permanecem nas suas páginas. Há editoras que fazem propostas de edição sem lerem os manuscritos. Limitam-se a contabilizar páginas, fazer contas e enviar propostas com os seus orçamentos. Se o autor aceitar, imprimem os exemplares designados de “oferta” para o autor, imprimem mais meia dúzia para qualquer eventualidade e ficam por aí. Dizem que vendem... não vendem! Iludem o autor com falsas promessas. Depois de lhe sugarem os euros, abandonam-no à própria sorte; ele que venda os livros! Infelizmente, é verdade. Por isso, não canso de alertar: prestem atenção às queixas de outros autores. Eles podem ter razão!


É essa a sua perspectiva global?

Global, não. Claro que não! Refiro-me a pequenas editoras que grassam como cogumelos, embora algumas sejam realmente honestas e tenham procedimentos correctos. Não se pode generalizar... dez árvores não fazem a floresta, mas essas dez existem. Com grandes editoras e autores consagrados, situações dessas não sucedem, seria o fim da picada. No pequeno meio editorial, sim... com vasta frequência. Por outro lado, há pessoas vaidosas que têm disponibilidade financeira para imprimir um livro sem o menor cuidado, cheio de erros, gralhas, palha e coisas assim, e depois arrogam-se de escritores. E não aceitam críticas! Se vejo um livro desses, ponho-o de lado. Quanto às críticas, é bom que aprendam a aceitá-las. Eu evoluí com a crítica. Sempre a procurei. Positiva ou negativa, desde que construtiva, é bem-vinda. Pois, como diz o ditado, estamos a morrer e a aprender.


Como editor, qual considera a sua principal responsabilidade?

Lançar obras bem cuidadas! Quer na apresentação, quer nos conteúdos. Que interessa ter uma capa divina se o conteúdo não lhe faz jus? Preocupa-me verificar os pormenores, por mais ínfimos que sejam: se a obra está bem estruturada, bem narrada, bem revista. Mesmo que o autor diga que já fez revisão, revejo sempre. O conteúdo, para mim, é sagrado! Não basta ter uma capa apelativa. E também a paginação, o papel, impressão e acabamentos com qualidade, boa promoção e não só. Porque o livro é um luxo, não um lixo. Não pode ser banalizado com maus textos. O editor tem de saber orientar, corrigir, favorecer, colaborar. O autor requer bom acompanhamento, desde o início. Entre mim e os autores Sui Generis, existe uma forte cumplicidade; amizade também. O acompanhamento é constante; na organização de textos, revisão, escolha do título e da imagem adequada para a capa... eu cuido de tudo isso! Para que o livro seja lido e o leitor anseie pelo próximo. A propósito, a autora Sandra Boveto escreveu, há tempos, no Facebook: «O Isidro não se contenta com o seu próprio sucesso; quer também o nosso sucesso!» É verdade! Não sou egoísta. Todos os livros que passam pelas minhas mãos são tratados como filhos.


E como escritor?

Não me identifico com esse epíteto, embora possua o dom da escrita. Prefiro autor. Ou editor; é o termo que melhor me caracteriza. Enquanto autor, preocupa-me escrever bons textos, seja qual for o género, ou tema. Textos que cativem, despertem interesse, transmitam alguma mensagem. Textos que toquem na alma. Que sejam lidos e que perdurem. Sou responsável na escrita. E embora não escreva para seduzir A ou B, agrada-me saber que alguém aprecia o meu texto, se revê nele e analisa-o, visando melhorias na sua escrita. Eu também tenho muito que evoluir ainda. Mas, sobretudo, escrevo para mim. Como uma catarse. Eu próprio tenho de gostar! Caso contrário, não mostro. Ou reescrevo ou inicio outro texto. Normalmente, gosto de me ler. Só depois de gostar é que partilho.


Geralmente, os escritores que fundam editoras fazem-no com o intuito de publicar autores que se inserem na sua corrente literária. É o seu caso, ou pretende um âmbito mais vasto para a Sui Generis?

Não ambiciono ter um elevado número de autores para editar. Prefiro menos, mas bons. A Sui Generis foi criada para as minhas antologias e, por arrastamento, para lançar os meus livros. Os mesmos que tentei publicar, em vão, ao longo dos anos. Participam bons autores nas Antologias Sui Generis, cuja escrita vou conhecendo; havendo afinidade, tornam-se amigos. Alguns têm dificuldades similares no que toca ao factor edição. Há os que se inserem na minha linha, outros possuem estilos diferentes, mas bons. Suzete Fraga, por exemplo, é uma espécie de pupila; revejo-me nos textos dela. Todos eles vão formando uma família literária e têm a Sui Generis ao dispor. Para apoiar a edição das suas obras de um modo mais fácil e menos dispendioso em relação ao que a generalidade das editoras propõe. Embora não descarte outros, darei sempre preferência aos autores que participam nas Antologias Sui Generis. Conhecendo-os, facilita muito o meu trabalho.


Por falar em corrente literária, qual é a sua?

Não sei até que ponto é legítimo falar em corrente literária. Isso faz-me lembrar movimentos de outros tempos, como as Conferências do Casino ou Geração de 70, os Vencidos da Vida ou mesmo a Questão Coimbrã. Nessa época, havia objectivos políticos e inexistiam outros meios além da literatura para protestar. Presentemente, podem-se reflectir certas realidades actuais na literatura, mas raramente se fazem protestos; pelo menos, de modo organizado ou colectivo. Na parte que me toca, a experiência no meio literário, com outros autores, é recente. Eu sou bastante ecléctico e as antologias reúnem diversos estilos, sensibilidades e culturas. Aliás, é nessa variedade que reside a maior riqueza de uma antologia, algo que aprecio. Surgem cada vez mais autores nas Antologias Sui Generis, portugueses e brasileiros, cada um com a sua particularidade. Mesmo os poetas... cada um tem o seu modo de poetar. Nas obras individuais, também não pretendo adoptar uma linha específica. Acima de tudo, que tenham qualidade. Desse modo, pode-se considerar que a minha corrente literária, se é que tenho alguma, seja ecléctica.


Durante 12 anos, dirigiu a revista Korpus, a única que em Portugal se dirigia a um público homossexual e que marcou uma época. Essa experiência reflecte-se na sua escrita de hoje?

A Korpus enriqueceu-me sobremaneira a bagagem do saber; foi a minha maior escola. Quando a fundei, em 1996, os meus conhecimentos em jornalismo e noutras áreas editoriais eram nulos. Porém, rodeei-me de bons jornalistas e outros profissionais, do Direito à Antropologia. Tropeçando e aprendendo, fui evoluindo. Aprendi a rever, a coordenar, a organizar, a paginar, a promover, a fotografar, a vender, tudo! Com o tempo, tornei-me minucioso, perfeccionista. Obviamente que tudo isso se reflecte nas tarefas actuais. Doze antologias lusófonas e cinco livros individuais num ano não é pêra doce. É preciso ter estofo para gerir diversos projectos desta envergadura em curtos espaços de tempo. E com qualidade! Esta capacidade de trabalho é um reflexo da longa experiência adquirida com a Korpus. Não haja a menor dúvida! Sem essa experiência, dificilmente conseguiria dar conta dos projectos, tantos e variados, que tenho, presentemente, com a Sui Generis.


Voltando à sua faceta de editor... Tem sido fácil o percurso? Ou tem encontrado muitos obstáculos?

A vida sem obstáculos torna-se monótona. Obstáculos são o tempero de um bom percurso profissional. Temos é de saber contorná-los, e nunca desistir das metas. Aprendi a fazê-lo. Com muita luta e sacrifício, claro. Hoje, não permito que me pisem, não aceito que me derrubem, não me rendo facilmente. Eles marcaram sempre presença na minha trajectória editorial, desde há 20 anos. Calejaram-me. No contexto actual, um dos mais flagrantes surgiu no ano passado, quando o grupo editorial, com o qual então colaborava, quis apoderar-se do meu projecto e tentou desmoralizar-me. Não me acobardei com pressões, ameaças e perseguições. Pelo contrário! Arregacei as mangas, fiz das tripas coração e fui à luta. Contra ventos e marés, lancei a Sui Generis, sem qualquer hesitação, e vejam-se os resultados volvido quase um ano. Um obstáculo, quando ultrapassado, fortalece-nos.


E desilusões? Deslealdades?

Imensas! Mas os anticorpos criados raramente me deixam afectar. Entristecem e exigem cuidados redobrados; quanto mais prudente, melhor! Contudo, há que prosseguir. No final de Setembro, vi uma antologia Sui Generis, «Anjos & Demónios», copiada por uma editora no Brasil e denunciei logo a situação. Não a obra em si, ainda não concluída, mas a ideia do projecto: mesmo tema, mesmo título, mesmas regras, mesmos prazos de submissão, regulamentos muito idênticos. Que nome dar a isso senão cópia? Coincidência? Pois se o meu trabalho é conhecido na referida editora e participei, inclusive, em projectos da mesma... Há várias maneiras de elaborar regulamentos que transmitem a mesma coisa. Meia dúzia de palavras cortadas ou alteradas não escondem um copy/paste. De igual modo, também certos autores, nos quais julgava poder confiar, desiludem. Há quem se aproxime visando saber o que se faz por cá, para relatar sabe-se lá a quem. Tipo espionagem. Se julgam que eu não percebo, enganam-se. Posso fingir que fecho os olhos, porém, não durmo. Bem pelo contrário: vou-lhes dando corda até que se enforquem nela. Tenho procedimentos específicos para conhecer os terrenos pantanosos em que me movo.


Quais são os planos para os próximos tempos?

Lançar, ainda este ano, as antologias finalizadas: «Ninguém Leva a Mal» (estórias carnavalescas), «Sexta-Feira 13» (contos assombrosos), «Saloios & Caipiras» (contos, causos, lendas e poesias sobre as ruralidades portuguesa e brasileira) e «Torrente de Paixões» (poesia lusófona). Seguem-se «Os Vigaristas» (crónicas, poemas e contos do vigário) e «Devassos no Paraíso» (contos eróticos). Estão a decorrer «Anjos & Demónios» (contos sobrenaturais), o segundo volume de «A Bíblia dos Pecadores» (inspirada em episódios bíblicos) e «Graças a Deus!», uma Acção de Graças, em prosa e poesia, para o Natal. Não sou religioso, mas tenho muita fé em Deus e esta antologia é o melhor agradecimento. Há mais antologias, com temas distintos, para organizar e novos livros individuais no horizonte. Em 2017, desejo um maior envolvimento de autores em projectos Sui Generis e dedicar-me aos meus livros que ficaram de lado. Tenho três para editar: «De Lírios» (contos), «Feiticeiro do Amor» (poesia) e «Juno e Java» (romance).




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