25 junho, 2017

EXCERTO DO CONTO «OS AMIGOS DE MALACHI» PUBLICADO NA ANTOLOGIA «NINGUÉM LEVA A MAL»


Malachi Ferrero já se encontra do lado de fora, visivelmente contrafeito, em frente ao amigo aniversariante e ao cliente cujo único nome conhecido é o de uma marca de whisky. Ambos estão sentados, ligeiramente inclinados e de braços apoiados no balcão, lá ao fundo, junto à entrada para o balcão e para a copa, num espaço que entretanto ficara vago. Conversam, bebem, fumam. Nisto, aparece uma drag-queen, responsável não só pela animação como também pelas mesas, para pousar uma mão-cheia de copos vazios e buscar mais bebidas. Jaime aproxima-se imediatamente dela e implora:
– Manel, dá uma mãozinha ao Nuno enquanto eu vou à casa de banho. Estou aflito, já não aguento. É rápido... vou num pé e volto noutro.
Os lavabos abarrotam, há uma longa fila de gente a aguardar vez para entrar. Jaime dirige-se à casa de banho interna, junto ao gabinete da gerência, para uso exclusivo da casa. Fecha a porta por dentro e marca um número no seu telemóvel. A chamada não é atendida. Impaciente, marca outro número, de rede fixa. Dispara o voice-mail. «Renato, sou eu. Se ouvires esta mensagem, vem a correr para o bar. Há novidades. Não posso falar mais», sussurra para o atendedor. A seguir, envia uma mensagem escrita, para o telemóvel do jornalista, com três breves frases: «Está cá o Passarão e dois Passarinhos. Um deles faz anos. Brindam com Hankey Bannister.»
Regressa e observa-os de soslaio. Procura ficar o mais próximo possível deles, na expectativa de ouvir o que falam, atendendo os clientes dessa zona enquanto Nuno controla a outra parte do balcão. Bannister faz outro tim-tim com os copos aos “bons velhos tempos” e, cinicamente, recrimina-os, num breve murmúrio que Jaime mal consegue captar:
– Tanto tempo lá dentro e vocês nunca me visitaram, seus mal-agradecidos. Nunca me visitaram! Gostam de cuspir no prato onde comem. Ingratos!
Malachi e José Campos entreolham-se e nada dizem.
O tráfego humano neste recinto, vindo da sala onde se situa a pista de dança em direcção aos lavabos e vice-versa, é atordoante. E aparecem cada vez mais pessoas fantasiadas, acabadas de chegar. Valero surge na entrada do balcão, com a máquina fotográfica pendurada ao peito, quando se ouve «La Isla Bonita». Pede a sua mochila, troca a bateria do equipamento e devolve-a. Jaime entrega-lhe uma cerveja. Ele comenta:
– É pá, o Miguel deve estar maluco. Que é que lhe deu para passar Madonna nesta noite?
– Não faço ideia. Olha, Valero, preciso que me faças um favor. – Acerca-se-lhe do ouvido e cicia: – Estás a ver o tipo de preto ali à frente, com o Malachi? Aproxima-te dele e presta atenção a tudo o que ele diz.
– Ó Jaime, desculpa, hoje não dá. Tenho de fazer a reportagem.
– Tens a noite inteira para fotografar e só ainda são duas horas. Por favor, Valero. É importante! Fica aí pelo menos uns dez ou quinze minutos, enquanto bebes a cerveja. O Malachi também não deve demorar, só está a beber um copo e depois volta para o balcão, estamos a precisar dele. Além disso, podes ir fotografando, o pessoal passa todo ali.
– Tudo bem, Jaime. O que é que eu não faço por ti?
– Mas disfarça. Faz de conta que estás ali por acaso, como quem não quer a coisa, a observar o ambiente e a fotografar. Não deixes que eles percebam. Quando terminares a cerveja, se o Malachi ainda lá estiver, vem buscar outra.
– É tudo? Então vou-me retirar.
– Só mais uma coisa: na primeira oportunidade fotografa também o tipo, sem que nenhum dos três dê conta. Põe alguém a fazer pose à frente deles e dispara o flash, mas apanhando sempre o gajo. Faz-me esse favor, Valero. Olha, ele está a chamar-me.
– Ó garçon, traz mais gelo!
Garçon é o raio que te parta – sussurra Jaime entredentes, enquanto enche um balde de gelo. – Que sujeito desaforado!
Aproveita para recolher os copos vazios e limpar o balcão. Pega no jarro de flores artificiais que se encontra junto deles, quase a roçar o braço de Bannister, enfia discretamente uma caneta no meio das flores, passa um pano húmido no balcão e devolve o jarro ao respectivo lugar. Pousa o balde de gelo, um cinzeiro e três copos limpos no balcão e pergunta ao cliente se deseja mais alguma coisa.
– Dois copos de leite para estes marmanjos. Cortesia da casa!
Jaime fita os rapazes, que se aproximam e referem os nomes das bebidas, depois olha para o patrão. Perante o aceno positivo de Malachi, cumpre a sua função e os jovens tornam a desandar.


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Excerto do meu conto «Os Amigos de Malachi»
Publicado na antologia «Ninguém Leva a Mal»
Da Colecção Sui Generis

Livro à venda na livraria online da Euedito
Neste endereço: www.euedito.com/suigeneris

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